quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A IDEIA

O surgimento da ideia inicial é algo ainda inexplicável. Porém acredita-se que a ideia vem de uma necessidade natural do ser humano de responder a questões e perguntas que ele mesmo se impões. Ela se forma como um click, um estalar de dedos onde informações já guardadas em sua memoria se ligam a novas informações e assim transforma informações e conteúdos que vagavam na mente do ser humano em algo quase palpável.

Segundo Robert Mckee, o que diferencia um artista, ou ser de alta criatividade, de um ser humano que não possui essa criatividade é a capacidade de absorção de informações. Para ele, a vida de um artista é uma eterna pesquisa, tanto de informações, mas também uma pesquisa sensorial, de jeitos e trejeitos, em uma busca incansável de entender o ser humano.

Dentro de uma narrativa a ideia inicial se torna não a base, o chão onde se pisa, mas a tocha que o escritor segura e que vai iluminar o seu caminho e o processo de construção narrativa. Essa ideia é altamente mutável e flexível, se não for dessa forma, se a ideia se tornar rígida e imutável é como se a tocha se apagasse e o escritor voltasse a ser cego e parasse de perceber as nuances e inúmeras possibilidades que a própria estoria lhe oferece.

Essa ideia pode se apresentar de várias formas e cabe ao roteirista compreende-la. Ela pode surgir como uma pergunta a ser respondida, uma ideia literária, como uma frase de efeito ou um título ou também imageticamente, como uma cena, imagem ou algo do gênero.

Porém o roteirista muitas vezes não pode esperar para que um ideia surja para que ele possa desenvolver o seu roteiro. A profissão muitas vezes impões prazos e a necessidade de criação rápida. Para tanto o roteirista muitas vezes deve recorrer ao que Doc Comparato cita como os 6 campos de ideias.

-Ideias Selecionadas, são ideias que surgem de nossa memoria, de nossa vivência pessoal.

-Ideias Verbalizadas, são as que surgem quando nos contam algo.

-Ideias Lidas (for free), ideias que surgem quando lemos algo em jornais ou revistas ou ouvir no noticiário.

-Ideias Transformadas, são as que tiramos de outros livros, filmes, peças ou outras expressões artísticas.

-Ideia Proposta, é a ideia encomendada, quando um produtor tem uma ideia e contrata o roteirista para desenvolvê-la.

-Ideias procuradas, são as criadas para suprir uma demanda de mercado, vinda através de pesquisas de publico.

Porém a maioria das vezes é a união dessas varia fontes que formam a ideia.

Dentro do roteiro Desaparecidos no Silêncio, a ideia surgiu como ideia selecionada em união a Ideias Lidas e verbalizadas.

Era um momento em que os noticiários se enchiam com a noticia de uma menina que havia sido mantida como refém em casa por seu namorado, uma estoria com um final trágico, a mídia também relembrava o caso do ônibus 174 e outras passagens que envolviam sequestros e cárceres privados.

Ao mesmo tempo, minha família, uma família de classe média de uma cidade do interior de Santa Catarina passa por um momento difícil. Acostumada com uma vida pacata em uma cidade segura começou a ter que trancar as portas e colocar grades nas janelas, porque aquela cidade não era mais tão segura. E a ultima ameaça tomou forma em um adolescente que passou a invadir as casas da vizinhança e ameaçar com uma faca seus moradores. Eu estava sentado na sala de estar da casa dos meus pais enquanto meu pai me contava que esse adolescente já havia entrado na casa, em plena luz do dia, enquanto ela estava aberta. Nesse momento meu sobrinho que deveria ter pouco mais de dois anos de idade na época entrou na sala.

Esse momento uma cena se formou em minha cabeça, onde esse adolescente entrava em casa e ameaçava meu sobrinho com sua faca. Essa cena foi estalo, a fagulha inicial. Isso criou questionamentos que precisavam ser respondidos. Como eu reagiria a essa situação? Como os outros integrantes da minha família reagiriam? Meu pai me deu uma sua resposta de forma simples: - Eu daria uma surra nele. - E nesse momento as noticias que circulavam na mídia bateram a minha cabeça e criaram as perguntas que guiaram o inicio processo de criação do roteiro: Até onde uma resposta a violência sofrida diariamente, dada por uma classe média, neurótica e amedrontada poderia chegar? Qual o limiar entre defesa e ataque?

Mas será que simplesmente dar uma surra nele resolveria? Eu então procurei conhecer melhor a vida desse jovem que tanto amedrontava minha família. Conhecer seus motivos e razões para agir daquela forma. O que descobri nada mais é do que o reflexo de qualquer vitima de uma sociedade desigual. Uma família destruída, a pouca ação do estado no auxilio desse individuo, o uso de drogas, a pobreza a falta de uma meta de vida e principalmente a falta de amor e compreensão.

Nesse momento eu não tinha apenas uma ideia, mas sim um personagem, com uma história de vida, e uma cena em minha cabeça, uma ação feita por esse personagem. E com um personagem e uma ação temos mais do que uma ideia, temos uma Estória.

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