sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Conhecendo os Personagens


Dentro da estória sem duvida os personagens necessitam de uma atenção mais que especial. No momento em que a estória é criada, eles passam a existir, mas a maioria das vezes eles são rasos, disformes, desinteressantes, previsíveis e que simplesmente flutuam na narrativa sendo levando como um pedaço de madeira na correnteza.

Porém uma boa estória só pode ser contada pela voz dos próprios personagens, eles são os agentes, a estória deve acontecer por suas ações, são olhos e ouvidos do espectador, é através deles que vemos o que acontece. O personagem deve despertar o interesse do espectador e criar com ele empatia.

Para que isso aconteça ele deve ser o mais humano possível, deve parecer com qualquer um, eu, você, todos nós, deve ser um ser único, mas em sua essência ele deve ter características universalmente humanas.

Mas primeiro é preciso saber como que ele é, quais as características físicas, psicológicas e sociais desse personagem.

Quando pensamos nas características físicas do personagem muitas vezes nos perguntamos: Por que criar características físicas? Não seria melhor deixar isso em aberto para que qualquer ator possa interpretá-lo? De certa forma isso deve ser levado em consideração, impor ao personagem características extremamente rígidas pode dificultar quando do casting, porém certos aspectos físicos devem ser criados. Idade por exemplo é imprescindível, etnia, tipo de roupas que usa, comprimento dos cabelos, na verdade toda a característica que o diferencie e exponha sua condição social deve ser colocada.

Todos vivemos dentro de um grupo específico da sociedade, com o personagens não pode ser diferente, o grupo, a tribo de cada um é parte integrante do que somos, o ser humano é extremamente influenciável pelas pessoas com que convive. Estabelecer o grupo de convívio do personagem transmite informações de classe social, trabalho, dinheiro e etc. Também deve ser levado em consideração a especificidade do tempo e local em que o personagem vive. Por exemplo, um jovem alto, magro, com seus 20 anos, judeu, filho de um dono de loja, não é o mesmo personagem se ele mora no Brasil dos anos 80 ou na Polônia dos anos 40. O local e a época em que o personagem está estabelece diferenças no seu comportamento.

É também necessário conhecer psicologicamente o personagem, conhecer seu caráter, seu comportamento, seus desvios de comportamento, saber os seus sonhos, seus desejos e tudo que não podemos ver, mas que o diferencia dos outros.

Para melhor conhecer o seu personagem é necessário um processo de pesquisa. Basicamente a pesquisa se divide em duas partes: Pesquisa de vivência, que é a que todos nós fazemos, na nossa vida estamos realizando constantemente uma pesquisa, observamos as pessoas, o modo como falam, como agem, como andam. Conhecemos pessoas que são o molde das nossas personagens, amigos falastrões, amigos tímidos, nerds, roqueiros... Durante nossa passagem pelo mundo conhecemos figuras e observando as pessoas, aprendemos a ver como elas são e colocar essas características em nossos personagens.

Porém muitas vezes apenas nosso conhecimento de vida não é suficiente e uma pesquisa especifica é necessária. Como escrever a estória de um escravo, no Maranhão do século XVII, se você mora em Curitiba nos dias atuais, para isso é preciso saber seus costumes, como falavam, como se vestiam. Infelizmente no Brasil é raro que um escritor possa fazer sua pesquisa especifica em campo, ir até o local, conversar e ver as pessoas que vivem lá, ouvir sua história. Assim a pesquisa normalmente é feita através de literatura, livros, tanto históricos que abordem os costumes da época, quanto livros de ficção escritos na época e local que ajuda a conhecer os modos tanto de falar como de agir desses personagens e que podem e devem ser integrados aos seus.

Criar um personagem é como esculpir em um pedaço de madeira, atribuímos a ele a forma que desejamos, mas devemos respeitar os nós já existem na madeira. Não podemos forçar características que se contraponham e essência do personagem. Como nós o personagem possui um número de característica que o diferencia dos outros, e que nos tornam o que somos e que nos fazem tomar as atitudes que tomamos durante a vida, que nos fazem ter ações que são previsíveis a quem nos cerca, é o famoso conhecer a pessoa. Porém o personagem não é simples e a ele deve ser atribuído paradoxos, o que dá profundidade ao personagem. Esperamos que os personagens sejam previsíveis, pois queremos conhecê-los e só assim podemos criar empatia com eles, mas também é necessário que ele nos surpreenda vez em quando, para que nossa vontade de continuar conhecendo eles nunca pare.

Assim o personagem deve possuir um corpo, devemos saber como ele é, uma essência, devemos saber quem ele é, e uma mente, devemos saber como ele pensa, o que ele sente qual seu desejo.

É necessário atribuir ao personagem sentimentos, isso o aproxima ainda mais do ser humano. Sentimentos são parte integrante do personagem, eles devem ser claros e concisos com a sua essência. Também é necessário acrescentar valore e atitudes aumentando ainda mais a complexidade do personagem.

Muitas vezes quando começamos a acrescentar várias características aos nossos personagens perdemos o controle sobre eles, eles se tornam complexos e nem o seu próprio criador sabe por que ele toma certas atitudes durante a estória. Mas ter o total controle sobre o personagem é indispensável então as vezes é necessário parar e voltar atrás e tentar compreender o personagem. Fazer quase uma terapia. Para mim a melhor maneira de se conhecer o personagem e conhecendo sua história de vida. Criar o backstory do personagem é a melhor forma de compreendê-lo saber pelo que ele passou e o que o fez ser como é.

O backstory é um documento que serve como base para o roteirista, normalmente é de escrita livre e intuitiva, não é o momento em se preocupar com forma ou qualidade de texto, pode ser contado em primeira pessoa, em terceira ou misturando, deve ser de uso exclusivo do roteirista só ele precisa ler o que está escrito ali. O backstory também pode ser o momento para se encontrar a voz do personagem, descobrir como ele fala, ele deve ser rico em sentimentos, é mais importante saber o que o personagem sentiu com a morte de seu pai, por exemplo, do que como ele morreu. Porém muitas vezes a estória que contamos é linda e fascinante, a vida do personagem é tão rica que daria um novo roteiro, isso pode ser arriscado, por isso é necessário se ter em mente, que estória se está contando e colocar no roteiro apenas o que possa enriquecer a narrativa e não desviá-la.

Conhecendo bem os personagens temos maior liberdade para criar nossas estórias da forma que mais nos interessar. Afinal quem é mais importante, a estória ou os personagens? Segundo Robert Mckee, os dois são igualmente importantes, um não existe sem o outro, só com a ação do personagem é que a estória pode ir para frente, mas sem uma estória para contar os personagens não tem motivo para existir.

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